Enfrentar desafios é a principal rotina dos empresários. No Brasil, essa questão se mostra bem acentuada dada as inúmeras inconstâncias do mercado. Se pudéssemos elencar os principais obstáculos, o primeiro seria, sem dúvida, a insegurança jurídica, pois as regras do jogo mudam todos os dias. Na sequência, temos a esquizofrenia do sistema tributário, a volatilidade econômica, os conflitos políticos, que geram instabilidade na administração pública, e, por fim, a corrupção na relação público vs privada.

Como se não bastassem todos esses imbróglios, atualmente os empresários brasileiros estão tendo que enfrentar uma gigantesca adversidade – a paralisação compulsória de suas atividades imposta pelos entes públicos em razão do COVID-19.

Com o espectro apenas para o Estado do Rio Grande do Norte, entendemos que os decretos publicados especialmente aqueles que suspendem as atividades e o funcionamento das empresas privadas são despidos de amparo legal ou constitucional. Em verdade, o que se consolidou na prática foi uma arbitrariedade que cassou sumariamente as licenças de funcionamento das empresas instaladas nos municípios. Ou seja, os alvarás de funcionamento, que são concedidos pelas prefeituras, foram suspensos por simples decreto estadual, contrariando a própria Constituição da República, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos (Art. 170, parágrafo único, da CF).

Em reforço à tese defendida, há a Lei Federal № 13.874/19, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, cujo texto garante o direito de toda pessoa natural ou jurídicadesenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica”.

É preciso lembrar que a emissão de alvará de funcionamento decorre da competência atribuída pela Constituição Federal às municipalidades para legislar sobre os assuntos de interesse local (Art. 30, inc. I), portanto o Poder Executivo Estadual do RN, ao determinar a suspensão das atividades empresárias, usurpa a competência dos municípios do Rio Grande do Norte.

Em outro vértice, temos, ainda, a importantíssima questão da arrecadação tributária, que, diante do fechamento das empresas, ficou profundamente prejudicada.

O sistema tributário nacional (Lei № 5.172/66) é composto por normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados e municípios. Desse modo, o Poder Executivo Estadual apenas tem competência para dispor de seus tributos, uma vez que a competência tributária é indelegável (Art. 7° do CTN). Por esse motivo os Estados não podem interferir, de nenhuma maneira, no funcionamento das empresas, suspendendo a sua atividade produtiva e comercial, uma vez que é esta que faz surgir o fato gerador dos tributos (federais, estaduais e municipais). Portanto, os decretos estaduais que suspendem as atividades das empresas prejudicam frontalmente a arrecadação tributária dos outros entes públicos, consistindo em uma completa invasão gerencial nos cofres públicos da União e dos municípios.

Aprofundando ainda mais a reflexão, é possível defender que o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, que garantiu autonomia a prefeitos e governadores para determinarem apenas as medidas de saúde para o enfrentamento ao Coronavírus (Ação Direta de Inconstitucionalidade № 6.341) está equivocado (mormente considerando que a Suprema Corte proferiu a sua decisão sob a ótica da saúde, não das relações empresariais) e merece ser revisto na parte em que pontua ser concorrente a competência entre a União, os Estados e Municípios para a deliberação sobre o funcionamento das empresas. Isso porque, como já dissemos, a Constituição da República atribuiu aos municípios a competência para legislar sobre o assunto relativo às atividades comerciais, mantendo ainda na competência exclusiva da União a chancela maior para que tais atividades sejam exercidas, que é a autorização para a emissão do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ – chave de acesso para o funcionamento de qualquer atividade produtiva.

Interessante revelar também que nem mesmo as Juntas Comerciais, que são autarquias vinculadas à administração estadual tem autonomia própria, pois estão subordinadas tecnicamente ao Departamento Nacional do Registro do Comércio – DNRC. Tanto é verdade que compete à Justiça Federal processar e julgar as demandas que tenha como parte a Junta Comercial quando o litígio versar sobre o registro de comércio, visto que a União permitiu que os registros empresarias fossem por ela realizados (Art. 109, inc. III, da CF). Dito isso, podemos concluir que a Junta Comercial funciona apenas como serventia cartorária.

É relevante afirmar, ainda, que a Lei № 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, impõe que as medidas de isolamento, quarentena e restrição de acesso às rodovias, a portos e aeroportos somente poderão ser adotadas em ato específico e desde que em articulação prévia com o órgão regulador ou Poder concedente ou autorizador. Logo, sendo da União e dos municípios a competência para dispor sobre a abertura, o registro e o funcionamento das empresas não cabe aos Estados determinar, por decreto próprio, a suspensão das atividades empresariais. (Art. 3°, §10).

Uma outra questão bastante polêmica que, por ora, não está presente nos debates é a inexistência do nexo causal para o fechamento compulsório das empresas com o COVID-19.

É preciso reconhecer que o nexo causal do fechamento compulsório das empresas não decorre da pandemia, mas, sim, do intervencionismo estatal, em maior ou menor grau, a depender da atividade produtiva desenvolvida.

O reconhecimento da pandemia global provocada pelo COVID-19 impulsionou a União, os Estados e os municípios a decretarem estado de calamidade pública, de forma que com isso puderam acionar o Art. 65 da Lei Complementar № 101/2000, que trata apenas e tão somente dos efeitos fiscais e orçamentários para a prestação e gestão das contas públicas. Veja que referida norma não tem nenhuma relação jurídica com as atividades exercidas pela cadeia produtiva privada.

Do mesmo modo, a Lei № 13.979/20 explica que o isolamento é a separação de pessoas doentes ou contaminadas e que a quarentena é a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação daquelas que não estejam doentes; afirma que todas as medidas adotadas em virtude da lei somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas de saúde. Portanto, para que o fechamento das empresas tenha nexo de causalidade com o COVID-19 é necessário que o ente público tenha evidências científicas comprovadas do risco de contaminação.

Assim sendo, seja pela incompetência dos Estados para legislar sobre o funcionamento das empresas e regular as suas atividades, seja pela ausência de comprovada evidência científica sobre os riscos de contaminação, é possível, pelo menos em tese, que os danos patrimoniais (perecimento da riqueza privada e lucros cessantes) e morais suportados pelos empresários e autônomos que foram indiscriminadamente proibidos de exercer as suas atividades sejam ressarcidos (Art. 186 do Código Civil). E essa responsabilidade é exclusiva do ente federativo que decretou a suspensão do funcionamento comercial e profissional, pois, além da incompetência absoluta do Estado, o nexo de causalidade do impedimento produtivo, nesses casos, provém do deliberado intervencionismo estatal e não da pandemia em si. (Art. 5°, inc. X, XXXV c/c Art. 37, §6°, todos da CF).

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